Ocupações quase sempre traumáticas |
No momento
em que escrevo já são 21 mortos. São
19:30 de quarta-feira (24) e com o avanço da noite os tiroteios devem
recrudescer. Qual será o saldo de amanhã? A guerra do Rio está em pleno
andamento, mas dessa vez a polícia parece ter um comando sério, competente, que
já esperava por eventos desse gênero.
A queima de
veículos é uma tentativa clara dos traficantes no sentido de coagir a ação
policial. Até agora a resposta segue o caminho da retaliação. Segundo o coronel
Lima Castro, encarregado das relações com a mídia, os mortos são bandidos que
resistiram a ação policial. É possível. E não há, pelo menos até esse momento,
notícias de pessoas atingidas por engano ou vitimadas por balas perdidas.
Como
ex-repórter da editoria de polícia de O Globo tenho uma visão que pode não ser tão
politicamente correta quanto a dos que militam em ONGs e outras instituições
defensoras dos direitos humanos e afins. Acho que às boas intenções dessas
pessoas (que são realmente bem intencionadas) somam-se visões de classe média,
algumas vezes distorcidas.
São pessoas
que tem razão quando lamentam a violência dos órgãos de repressão contra indivíduos
oriundos de parte da uma população vítima de preconceito social (e racial) que passa
a vida sem possibilidade de acesso a ensino de boa qualidade e sem igualdade de
oportunidades em empregos de melhor nível.
Concordo,
mas só em parte. Noventa e nove por cento da população favelada ou de bairros
carentes do Rio e Baixada não teve essas oportunidades e nem por isso ingressou
no tráfico. Pelo contrário, enfrentam um dia-a-dia desgastante, baixos salários,
passam horas na condução e as condições de trabalho são, em geral, deploráveis.
A guerra que
se desenrola nesse momento é motivada pela implantação das UPPs, que tomam os espaços
antes ocupados por traficantes ou milicianos. Em ambos os casos isso significa
uma radical perda de receita por quem comanda as duas atividades.
Apesar
disso, muitos dos pequenos capos do
tráfico que perderam seus territórios, foram aceitos em outras comunidades
carentes. A guerra do Rio, segundo a polícia, é resultado da união de grupos e
facções antes dispersas ou concorrentes e, em muitos casos, inimigas.
Em alguns
casos isso é possível porque os consumidores de drogas estão dispostos a seguir
os fornecedores. Então o que acontece é apenas um translado de clientes, que
não afeta tanto assim os lucros de quem já está estabelecido na área.
Uma pequena
parte da classe média, com presença forte nos jornais (é para ela que são
publicados) e boas intenções, ainda acredita que o traficante é uma espécie de
Robin Hood operando numa Sherwood carioca, pagando enterros, comprando
medicamentos e comida para os mais pobres entre os pobres. Em locais onde,
aliás, os serviços públicos nem chegam próximo.
Outra parte
não vai a tanto, mas não dimensiona a tirania imposta pelo tráfico, o que
inclui o recrutamento compulsório de crianças e adolescentes, a imposição, do
“toque de recolher”, e a sedução de meninas e mulheres, carentes e sem
perspectivas, que acabam também sendo envolvidas na atividade.
No momento a
saída é o confronto. Não há como negociar. O atual comando da polícia sabe que
um recuo, uma trégua, é impossível. Então é bem provável que o número de mortos
continue crescendo. E pior do que isso: é possível que pessoas inocentes acabem
mortas nos confrontos.
Mas para
quem ainda tem dúvidas sobre o papel de traficantes nas favelas e comunidades
carentes do Rio de Janeiro, basta ver o que acontece quando eles e seus
soldados saem de lá.
Texto de: José
Attico
Nenhum comentário:
Postar um comentário