Visite Também

Visite também o Blog do José Attico.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A Guerra do Rio: força desproporcional evitou banho de sangue

O mais ou menos inédito foi a parceria estabelecida entre a população do Rio de Janeiro e a polícia. Nos episódios de recuperação das favelas Vila Cruzeiro e Morro do Alemão, moradores dos locais e das proximidades pela primeira vez deram as caras.


Ao contrário do que sempre aconteceu, quando as pessoas abaixavam a cabeça e ninguém dizia uma palavra, nos últimos dias muitos habitantes das duas localidades enfrentaram câmeras e microfones para contar como eram suas vidas nos “condomínios do tráfico” e falar de suas esperanças num futuro sem a presença de um poder paralelo.

Essa mudança no comportamento pode ser atribuída a uma nova atitude da polícia que, ao contrário de episódios anteriores, avisou que ia ocupar as duas comunidades, pediu a rendição dos traficantes, deu um prazo, agiu com eficiência e usou força desproporcional.

É claro que os homens do tráfico sabiam de antemão que não poderiam enfrentar o poder do Estado. Mas a desproporcionalidade entre suas forças e os tanques da marinha detonou uma fuga em massa sem qualquer possibilidade de resistência.

A correria desabalada dos pequenos capos do subúrbio, fugindo das balas, pode ter trazido uma sensação de maior segurança? É provável. Mas é provável também que as raízes da mudança de comportamento da população local tenham começado lá atrás, com a estratégia do governo do Estado na criação das UPPs.

A posterior consolidação do processo, com as unidades se espalhando pelas zonas Sul, Norte e Oeste, fez com que os moradores, submetidos à lei dos traficantes, descobrissem que existe um outro mundo. Um outro mundo em que todas essas comunidades - que viram pela TV a ocupação de territórios do tráfico na Penha - agora desejem, ingressar.

O vislumbre de uma outra vida, sem traficantes ou milicianos, levou essas pessoas, antes arredias à qualquer aproximação com a polícia, a descobrir que existe “um lado” infinitamente mais forte, com o qual talvez seja possível dialogar.

Ninguém – é bom que as autoridades, nesse momento eufóricas, saibam – confia na polícia. São anos e anos de prepotência em relação às populações mais carentes. São anos e anos de extorsões e participação ativa no próprio tráfico, em grupos de extermínio e em outros crimes de maior ou menor monta.

O policial é temido, mas num momento como esse, em que toda a "força legítima" está envolvida, o individual desaparece e os moradores das comunidades se sentem parceiros dos homens e mulheres que estavam combatendo o tráfico. Sem contar que, para essas pessoas, o conceito do exército e da marinha, está infinitamente acima de entidades como a polícia e a justiça.

A presença de fuzileiros navais e paraquedistas no apoio às operações melhorou, e muito, a disposição para a formação dessa parceria em que os "bandidos" foram encurralados não só pelos "mocinhos" de plantão mas também pelo disque denúncia, twiters e facebooks da vida, as chamadas redes sociais.

Até quando serão essas as regras do jogo? A manutenção definitiva de uma força policial que possa intimidar traficantes e/ou milicianos, como aparentemente acontece nas áreas da UPPs é fundamental nesse momento.

Aparentemente o Estado não está preparado para a implantação dessas unidades, nesse momento, na Vila Cruzeiro ou no Morro do Alemão. A ocupação foi, na realidade, uma reação à queima indiscriminada de veículos por toda a cidade do Rio de Janeiro, uma tentativa do tráfico de “abalar a sociedade".

A resposta dura, com os traficantes desbaratados, fugindo (em grande quantidade) ou sendo presos (em menor número) produz um baque na venda de drogas no Rio de Janeiro. Os chefões ficaram, de uma hora para outra, sem seus locais de conforto e viram a cocaína e a maconha que comercializam desaparecer nos caminhões e picapes da polícia.

Alguns perderam até suas armas. Mas dentro de mais alguns dias, é claro, esses homens vão se reagrupar. Se a polícia, no entanto, ocupar definitivamente o Morro do Alemão e a Vila Cruzeiro, o golpe no tráfico terá sido de vital importância para o Rio.

Caso isso não aconteça, sobrará a descrença da população, que rapidamente vai dar as costas, primeiro à polícia. Depois ao próprio governo do Estado que ajudou a eleger, esperando que as mudanças na segurança pública, iniciadas no mandato anterior, não fossem apenas marketing eleitoral.

* Fui repórter da editoria de Polícia de O Globo e cobri ocupações como as do Alemão e Vila Cruzeiro nas zonas Sul e Norte da cidade. Na época, final do anos 60 e início dos 70, não se cogitava da permanência da polícia nos locais, ocupados apenas durante algumas horas. 

Postado também no:blogdojoseattico.com.br




Nenhum comentário:

Postar um comentário