O mais ou menos inédito foi a parceria estabelecida entre a população
do Rio de Janeiro e a polícia. Nos episódios de recuperação das favelas Vila
Cruzeiro e Morro do Alemão, moradores dos locais e das proximidades pela
primeira vez deram as caras.
Ao contrário do que sempre aconteceu, quando as pessoas abaixavam a cabeça e
ninguém dizia uma palavra, nos últimos dias muitos habitantes das duas
localidades enfrentaram câmeras e microfones para contar como eram suas vidas
nos “condomínios do tráfico” e falar de suas esperanças num futuro sem a
presença de um poder paralelo.
Essa mudança no comportamento pode ser atribuída a uma nova atitude da
polícia que, ao contrário de episódios anteriores, avisou que ia ocupar as
duas comunidades, pediu a rendição dos traficantes, deu um prazo, agiu com
eficiência e usou força desproporcional.
É claro que os homens do tráfico sabiam de antemão que não poderiam enfrentar
o poder do Estado. Mas a desproporcionalidade entre suas forças e os tanques
da marinha detonou uma fuga em massa sem qualquer possibilidade de
resistência.
A correria desabalada dos pequenos capos do subúrbio, fugindo das balas, pode
ter trazido uma sensação de maior segurança? É provável. Mas é provável
também que as raízes da mudança de comportamento da população local tenham
começado lá atrás, com a estratégia do governo do Estado na criação das UPPs.
A posterior consolidação do processo, com as unidades se espalhando pelas
zonas Sul, Norte e Oeste, fez com que os moradores, submetidos à lei dos
traficantes, descobrissem que existe um outro mundo. Um outro mundo em que
todas essas comunidades - que viram pela TV a ocupação de territórios do
tráfico na Penha - agora desejem, ingressar.
O vislumbre de uma outra vida, sem traficantes ou milicianos, levou essas
pessoas, antes arredias à qualquer aproximação com a polícia, a descobrir que
existe “um lado” infinitamente mais forte, com o qual talvez seja possível
dialogar.
Ninguém – é bom que as autoridades, nesse momento eufóricas, saibam – confia
na polícia. São anos e anos de prepotência em relação às populações mais
carentes. São anos e anos de extorsões e participação ativa no próprio
tráfico, em grupos de extermínio e em outros crimes de maior ou menor monta.
O policial é temido, mas num momento como esse, em que toda a "força legítima"
está envolvida, o individual desaparece e os moradores das comunidades se
sentem parceiros dos homens e mulheres que estavam combatendo o tráfico. Sem
contar que, para essas pessoas, o conceito do exército e da marinha, está
infinitamente acima de entidades como a polícia e a justiça.
A presença de fuzileiros navais e paraquedistas no apoio às operações
melhorou, e muito, a disposição para a formação dessa parceria em que os
"bandidos" foram encurralados não só pelos "mocinhos" de
plantão mas também pelo disque denúncia, twiters e facebooks da vida, as
chamadas redes sociais.
Até quando serão essas as regras do jogo? A manutenção definitiva de uma
força policial que possa intimidar traficantes e/ou milicianos, como
aparentemente acontece nas áreas da UPPs é fundamental nesse momento.
Aparentemente o Estado não está preparado para a implantação dessas unidades,
nesse momento, na Vila Cruzeiro ou no Morro do Alemão. A ocupação foi, na
realidade, uma reação à queima indiscriminada de veículos por toda a cidade
do Rio de Janeiro, uma tentativa do tráfico de “abalar a sociedade".
A resposta dura, com os traficantes desbaratados, fugindo (em grande
quantidade) ou sendo presos (em menor número) produz um baque na venda de
drogas no Rio de Janeiro. Os chefões ficaram, de uma hora para outra, sem
seus locais de conforto e viram a cocaína e a maconha que comercializam
desaparecer nos caminhões e picapes da polícia.
Alguns perderam até suas armas. Mas dentro de mais alguns dias, é claro,
esses homens vão se reagrupar. Se a polícia, no entanto, ocupar
definitivamente o Morro do Alemão e a Vila Cruzeiro, o golpe no tráfico terá
sido de vital importância para o Rio.
Caso isso não aconteça, sobrará a descrença da população, que rapidamente vai
dar as costas, primeiro à polícia. Depois ao próprio governo do Estado que
ajudou a eleger, esperando que as mudanças na segurança pública, iniciadas no
mandato anterior, não fossem apenas marketing eleitoral.
* Fui repórter da editoria de Polícia de O Globo e cobri ocupações como as do
Alemão e Vila Cruzeiro nas zonas Sul e Norte da cidade. Na época, final do
anos 60 e início dos 70, não se cogitava da permanência da polícia nos
locais, ocupados apenas durante algumas horas.
Postado também no:blogdojoseattico.com.br
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